Tipos de narrador

Explicamos quais são os tipos de narrador e as características de cada um. Além disso, mostramos exemplos de cada tipo em obras literárias.

O narrador não deve ser confundido com o autor, pois pode até ser um personagem.

Quais são os tipos de narrador e suas características?

O narrador é a voz dentro de cada texto narrativo a partir do qual os eventos são narrados. e as aventuras que compõem a história. É um elemento do texto que não deve ser confundido com o autor, ou seja, com quem compôs o texto, mas consiste em um artifício por ele criado.

Existem vários tipos de narrador, cada um com características diferentes que conferem à narrativa (seja uma história, um romance ou uma crônica) uma determinada forma. Porém, ao classificá-los, geralmente são levados em consideração dois critérios diferentes:

  • Narradores de acordo com sua perspectiva gramatical, isto é, de acordo com o ponto de vista linguístico a partir do qual narram a história. Assim, é feita uma distinção entre narradores em primeira pessoa (eu), segunda pessoa (você) e terceira pessoa (ele ou ela/eles ou eles).
  • Narradores de acordo com sua posição em relação à história, isto é, de acordo com o seu grau de envolvimento na história contada. Assim, é feita uma distinção entre narradores protagonistas, narradores testemunhas, narradores equiscientes e narradores oniscientes.

Pode te ajudar: Narração

Narrador em primeira pessoa

O narrador em primeira pessoa é aquele que conta desde a primeira pessoa gramatical, ou seja, utilizando pronomes pessoais. ei ó nós. Portanto, relata eventos que aconteceram com ele mesmo (protagonista) ou que aconteceram com outras pessoas, mas ele testemunhou (testemunha).

Este tipo de narrador normalmente constitui um personagem dentro da história e Tem a virtude de poder referir-se a si mesmo: aos seus pensamentos, aos seus sonhos, à sua subjetividade.

Um exemplo de narrador em primeira pessoa é o conto “Casa Tomada” do argentino Julio Cortázar (1914-1984):

“Gostamos da casa porque além de espaçosa e antiga (hoje quando as casas antigas sucumbem à liquidação mais vantajosa dos seus materiais) guardou as memórias dos nossos bisavós, do nosso avô paterno, dos nossos pais e de toda a nossa infância.”

Retirado de: Cortazar, J. (2018). Bestiário. De bolso.

Narrador em segunda pessoa

O narrador de segunda pessoa é aquele que narra a partir da segunda pessoa gramatical, ou seja, usando pronomes pessoais você ó você (você no caso do espanhol peninsular).

Este é um tipo de narrador raro na literatura, pois seu uso representa um desafio maior, já que assume a existência de alguém a quem a história é contada (isto é, um narratário) e a quem o narrador se dirige expressamente. Porém, o narrador em segunda pessoa tem a virtude de desafiar o leitor e fazê-lo mergulhar mais rapidamente na história, pois produz um sentimento de acusação ou cumplicidade.

Um exemplo de narrador em segunda pessoa é o romance “Aura” do mexicano Carlos Fuentes (1928-2012):

“O cheiro da humidade, das plantas apodrecidas, vai envolvê-lo à medida que marca os seus passos, primeiro nos ladrilhos de pedra, depois naquela madeira estaladiça, flácida pela humidade e pelo confinamento. Você conta calmamente até vinte e dois e para, com a caixa de fósforos nas mãos, a pasta pressionada contra as costelas.”

Retirado de Fuentes, C. (2003). Aura. Octaedro.

Narrador em terceira pessoa

O narrador em terceira pessoa é aquele que narra a partir da terceira pessoa gramatical, ou seja, utilizando os pronomes ele ó elaó eles ó eles. É o tipo de narrador mais utilizado na história da literatura e sempre se refere a eventos ocorridos com terceiros, ou seja, outras pessoas.

Esse tipo de narrador pode ou não estar envolvido na história que conta e, portanto, pode ou não ser um personagem dentro dele. Em todos os casos, o narrador contempla a história “de fora”, ou seja, sem ter nela uma participação importante.

Um exemplo de narrador em terceira pessoa é o conto “El atajo” do argentino Adolfo Bioy Casares (1914-1999):

“Guzmán, pouco dado a julgar as pessoas, pensava que as pessoas do seu tempo eram as melhores do mundo, mas que era melhor não falar das novas gerações. Acima de tudo, porque se estava errado. Battilana, por exemplo, que no ambiente do Ferrocarril Oeste brilhava como um espírito mordaz e amplo, perdeu o brilho ao ser confrontado com os meninos. Ele se perguntou se trazê-lo para o círculo de pessoas íntimas não teria sido um erro e, pior ainda, contar-lhe sobre a viagem.”

Tomado de: Casares, B. (2015). Histórias fantásticas. Emecé

Narrador protagonista

O narrador principal é aquele que também é o personagem principal da história, ou seja, ele conta em primeira mão os acontecimentos que aconteceram com ele. Normalmente esse tipo de narrador utiliza a primeira pessoa gramatical, então corresponde ao narrador em primeira pessoa. É o narrador habitual em memórias, autobiografias e diários, mas também noutros tipos de narração, e faz parte dos narradores intradiegéticoou seja, estão “dentro” da história contada.

O narrador principal tem a vantagem de poder recorrer à sua própria subjetividade e interioridade ao contar a história, para que possa fazer digressões, especulações e explicações, mas ao mesmo tempo seu ponto de vista se limita às informações que possui ou aos acontecimentos que vivencia. É impossível, por exemplo, que um narrador deste tipo saiba o que aconteceu num local onde não está presente.

Um exemplo de narrador protagonista é o conto “China” do chileno José Donoso (1924-1996):

“Quando entramos na rua, um bonde veio em nossa direção com estrondo. Procurei refúgio perto da minha mãe, ao lado de uma vitrine cheia de partituras. Em uma delas, dentro de um oval, uma menininha loira sorria. Pedi à minha mãe que me comprasse aquele lençol, mas ela não prestou atenção e seguimos caminho. Eu estava com os olhos bem abertos. Eu teria gostado não só de olhar todos os rostos que passavam por mim, mas de tocá-los, cheirá-los, pareciam-me tão maravilhosamente diferentes.”

Retirado de: Donoso, J. (2022). Histórias. Alfaguara.

Mais em: Narrador protagonista

Narrador testemunha

O narrador-testemunha é aquele que faz parte da narrativa, mas não como protagonista, mas como testemunha (confiável ou não) dos acontecimentos. Ou seja, esse narrador Ele também é um personagem da história (ou seja, um personagem intradiegético), mas conta os eventos que aconteceram a terceiros. Para fazer isso, você pode usar a gramática de primeira e terceira pessoa, e até mesmo uma combinação das duas.

Ao contrário de outros narradores, o narrador-testemunha conhece a história apenas o que testemunhou ou experienciou (ou o que, por sua vez, lhe foi contado), então sua descrição da história é limitada ao que você sabe e ao que observa. Porém, por ser um personagem independente da história, ele pode conhecer detalhes que o protagonista ignora e, por sua vez, recorrer à sua própria subjetividade ao contar o ocorrido.

Um exemplo de narrador-testemunha é o conto “Circe” do argentino Julio Cortázar (1914-1984):

“Lembro-me mal do Mario, mas dizem que ele formava um belo casal com a Delia. Embora ainda estivesse de luto por Héctor (nunca ficou de luto por Rolo, sabe-se lá que capricho), aceitou a companhia de Mário para passear por Almagro ou ir ao cinema. Até então, Mario sentia-se fora de Delia, da sua vida, até da casa. Sempre foi uma “visita” e entre nós a palavra tem um significado exato e divisivo”.

Retirado de: Cortazar, J. (2018). Bestiário. De bolso.

Mais em: Narrador testemunha

narrador equisciente

O narrador equisciente é aquele que conta a história do ponto de vista de um dos personagensentão ele só tem consciência do que o personagem conhece e vivencia, de modo que descobre a trama na mesma medida que ele (daí seu nome, composto pelo latim igual“igual” e saber“sabre”).

Este tipo de narrador é reconhecido porque normalmente usa a terceira pessoa gramatical e não é um personagem da tramaou seja, ele é um narrador extradiegético ou que conta a história estando “fora” dela. Nesse sentido, ele não tem uma subjetividade própria a quem recorrer, mas pode usar a do personagem.

Um exemplo de narrador equisciente é o conto “La araucária”, do uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994):

“Larsen passou as mãos na batina, para mostrar, para saber que ainda estava vestido com ela. Ele mostrou o ar – porque os olhos dela estavam bem abertos e ela estava apenas olhando para a parede branca em frente à sua morte – ele mostrou fotos. de cores abruptamente desbotadas, pequenas medalhas de chumbo, achatadas pelos anos, algumas serenas, outras trágicas com corações nus projetando-se exageradamente dos seios abertos.

E de repente a mulher gritou o início da confissão salvadora. Padre Larsen se lembra dela assim: “

Retirado de: Onetti, JC (1994). Histórias completas. Alfaguara.

Narrador onisciente

O narrador onisciente é aquele que conta a história de um ponto de vista externo a ela, mas ao mesmo tempo está ciente de absolutamente todos os seus detalhes. Ou seja, conta a história do ponto de vista de Deus, presente em todos os lugares ao mesmo tempo e atento a tudo o que os personagens pensam e fazem. Por isso é chamado onisciente (do latim todos“tudo e saber, “saber”). Ele também é um narrador extradiegético (isto é, está “fora” do mundo da história).

Esse tipo de narrador é muito tradicional na história da literatura, e atualmente caiu em desuso. Ainda é preservado em fábulas e histórias infantis. As suas principais virtudes têm a ver com a capacidade de lidar com absolutamente todas as informações da história, o que permite conhecer as motivações dos personagens, seus respectivos passados ​​e o que fazem quando ninguém está olhando. Por isso mesmo, porém, é-lhe impossível envolver-se na história, que conta sempre de um ponto distante.

Um exemplo de narrador onisciente é o conto “O tigre preto e o cervo branco” do peruano Ciro Alegría (1909-1967):

“O tigre preto, o mais feroz e vigoroso dos animais da selva, procurava um local para construir a sua casa e encontrou-a junto a um rio. O mesmo aconteceu com o cervo branco, o mais tímido e frágil dos animais da selva. Escolheram o mesmo lugar: um lugar lindo, sombreado por árvores e com muita água.

No dia seguinte, antes do sol nascer, o cervo branco derrubou a pastagem e derrubou as árvores. Então ele saiu e o tigre preto chegou e, ao ver tais preparativos, exclamou:

—É Tupã, o deus da selva, que veio me ajudar…

E ele foi trabalhar com as árvores cortadas.

Quando o cervo branco chegou no dia seguinte, ele exclamou por sua vez:

— Como Tupã é bom! Ele veio para me ajudar…”

Extraído de Alegría, C. (1989). Fábulas e lendas americanas. Espasa Calpe.

Siga com:

  • Narrador onisciente
  • Narrativa

Referências

  • Bal, M. (1985). Introdução à narratologia. Cadeira.
  • Benjamim, W. (2021). O narrador. Traduzido Pablo Oyarzan. Metais pesados.
  • Branco, D. (2004). “Autor, enunciador, narrador.” Tela, n. 25.
  • Piglia, R. (2007). “A arte de contar histórias.” universo, não. 22, vol. 1. pp. 343-348.